04/07/2017

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A Cacá tem acompanhado alguns ensaios, como provocadora da pesquisa, e ela tem um jeito muito especial de ser, uns amigos nossos até inventaram uma medida de tempo pra ela: 1 cacá, 2 cacás, 3 cacás... penso que é porque no olhar dela cabem muitas coisas, e com os olhos cheios o tempo é outro mesmo, inevitavelmente. E eu sou imensamente grata por ter esse olhar sobre o meu trabalho, pois é sincero, preciso e propulsor. Vou deixar aqui dois trechos de um texto do Paul Auster que ela trouxe no começo dos nossos encontros, coisa rica, tudo a ver:


Permaneço no quarto em que estou escrevendo estas palavras. Ponho um pé na frente do outro. Ponho uma palavra na frente da outra, e para cada passo que dou acrescento outra palavra, como se para cada palavra a ser dita aqui houvesse outro espaço por atravessar, uma distância que meu corpo devesse preencher no que se move por este espaço. É uma jornada através do espaço, mesmo que eu não vá a lugar algum, mesmo que termine no mesmo lugar onde parti. É uma jornada através do espaço, como que entrando e saindo de várias cidades, como que cruzando desertos, como que até a borda de algum oceano imaginário, onde cada idéia se afogue nas implacáveis ondas do real.

No começo, queria falar de meus braços e pernas, de saltitar, de corpos trombando e girando, gigantes jornadas através do espaço, de cidades, de desertos, de cadeias de montanhas que se estendem até além de onde a vista alcança. Mas pouco a pouco, na medida em que essas palavras começaram a se impor a mim, as coisas que quis fazer acabaram parecendo desimportantes. Relutante, abandonei todas as minhas histórias espirituosas, todas as minhas aventuras de lugares distantes, e comecei, lenta e dolorosamente, a esvaziar a mente. Agora só resta o vazio: um espaço, por mais que pequeno, em que tudo que está acontecendo pode ter o direito de acontecer. 


( ESPAÇOS EM BRANCO, Paul Auster )

09/06/2017

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Talvez exista uma frase boba que diga que aprendemos muito mais de nós olhando para os outros. Não importa... cá estou, pensando assim, bem boba. Pensando que quando me volto para os outros afim de entender como pensam e agem me conecto com tudo aquilo que é maior do que a gente e que nos une... com a vida, por exemplo. E eu gosto disso, principalmente, porque ao observar me sinto aliviada, mesmo que ilusoriamente, do sentir. E penso que observar alguém é como descascar cebolas: tomar distancia para não ficar com a vista turva e lidar com camadas e camadas de uma mesma matéria. E foi importante para mim observar a Bia e o Renan dentro das oficinas, assim como as outras tantas pessoas que estiveram com a gente, assim como tem sido observar o meu filho... Vi o quanto de entrega, labuta e persistência tem no que fazem, pra lá dos domínios técnicos que lhes são suados, nem preciso dizer. E me reconheci. Com o Renan se iluminou uma coisa aqui, até então tímida, de que o desenho, expandido, pode sim ser o pensamento da minha dança, e vice-versa. E que, de algum modo, o que eu sempre identifiquei como uma capacidade de estar atenta ao espaço de fora, e ver-se de fora, durante as danças, apesar dos constantes mergulhos em si direcionados pelas abordagens somáticas com as quais sempre me envolvi, denunciam, na verdade, um pensamento visual dentro dos meus processos em dança. Assunto ainda cru nas palavras, mas que vem fluindo bem no trabalho. Já com a Bia, a idéia de corpo como organismo fluido que requer cuidados tanto para viver quanto para criar, brilhou. E brilhou muito. Feito cura. E aproveito pra dizer que hoje cuido melhor de mim para dançar, como deveria ter sido sempre... o que admito com leveza, porque também tem feito parte desse processo admitir que a vida flui do jeito dela, com ou sem o meu consentimento, fazer o que? Venho mudando o que posso mudar, o que não posso, aceito. Enfim, estou aqui só pra dizer que sigo alimentada e fortalecida, sobretudo, por constatar que uma pesquisa individual é, de fato, um amontoado de pessoas na vida da gente. E agradeço.

26/04/2017

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Vídeo/registro da Oficina com Beatriz Sano que aconteceu em março na Oficina Cultural Oswald de Andrade, em São Paulo. 



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Vídeo/registro da Oficina com Renan Marcondes que aconteceu em março na Oficina Cultural Oswald de Andrade, em São Paulo. 


24/02/2017

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porque quando a gente se junta, no mínimo, a gente é mais. e esse mais pode ser tanta coisa... outro convite: 



15/02/2017

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cá pra mim, olhar o outro é importante, necessário, e pode ser transformador. um convite:



01/02/2017

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No água viva, a Clarice Lispector:

Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra - a entrelinha - morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não-palavra ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é escrever distraidamente.

Aqui, trocando escrever por dançar e palavra por movimento:

Então dançar é o modo de quem tem o movimento como isca: o movimento pescando o que não é movimento. Quando esse não-movimento - a entrelinha - morde a isca, alguma coisa se dançou. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar o movimento fora. Mas aí cessa a analogia: o não-movimento ao morder a isca, incorporou-o. O que salva então é dançar distraidamente.

E continuo a pensar sobre a linguagem falar linguagem, inevitavelmente.